quinta-feira, dezembro 12, 2024
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Os avós das histórias (e das memórias)

Comemoramos hoje o Dia dos Avós, uma data à qual não poderíamos ficar indiferentes, tendo em conta o número crescente de (boas) publicações literárias destinadas à infância, onde os avós marcam presença.

Há um ano, neste dia, apresentávamos uma seleção intitulada Que avós povoam a atual literatura para a infância?, e descobríamos diferentes facetas destes entes tão queridos.

Desta vez, a nossa escolha recaiu sobre um conjunto de textos que enfatizam o papel dos avós na sua qualidade de guardiões da memória, e a importância de construir (e preservar) memórias, a melhor forma de perpetuar a sua presença (para sempre).

João Pedro Mésseder, na sua coletânea de poesia Versos quase Matemáticos apresenta-nos um pequeno poema, Avô e Avó, composto por duas quadras apenas, que bem poderia servir de mote para esta questão das histórias e das memórias...

O reduzido texto verbal é, todavia, "compensado" pela interessante ilustração que o acompanha (imagem acima), e que, já agora, nos põe a pensar no título do livro... Ou, como explicamos esta sombra? 

Na obra da dupla nacional Carla Maia de Almeida e Marta Monteiro, Amores de Família (de que já falamos AQUI e AQUI), moram a Avó Ceres e o Avô Júpiter (imagem acima). Dois avós que não deixam por mãos alheias a tarefa de ensinar aos netos aquelas coisas importantes, mas demoradas, que é importante aprender (quer seja para experimentar fazer coisas que levam tempo, quer seja para que um dia também possam ser ensinadas a outros netos), como "fazer compotas e conservas de frutas", "construir casinhas de madeira para os pássaros", "esperar que as sementes germinem", e aguardar pelo Natal (que devolve os filhos ao lar).

(Nota: nesta obra ainda podemos encontrar a Avó Proserpina, muitos pais, muitas mães, e um interessante ABC dos deuses que "explicará" o comportamento das  famílias que aqui moram...)

Maria da Conceição Vicente dá vida a três histórias do património popular de Águeda, que se ligam entre si pela voz de um avô que as conta ao seu neto, uma opção reveladora da consciência da importância dos avós na transmissão dos diferentes legados, neste caso o legado cultural e etnográfico da terra.

Pelo rio correm histórias é um livro muito bonito, onde as ilustrações de Rui Castro desempenham um papel de aproximação ao pequeno leitor, uma espécie de convite a jogar (é impossível não virem à nossa mente imagens de peças de lego, ou do vídeojogo Minecratf). 

Afinal, a brincar também podemos contar histórias e apropriarmo-nos desta herança comum que é o imaginário popular.

Da incontornável autora de Quando a mãe grita, Jutta Bauer, o livro O Anjo da Guarda do Avô conta a história das visitas que o neto, narrador, fez ao avô no hospital, nos seus últimos dias. Começa assim:

"O meu avô gostava de contar histórias. Contava sempre alguma coisa quando eu ia visitá-lo. - «...meu rapaz, ninguém me segurava...»"

E assim começa uma viagem pela vida do avô, desde a infância, passando pela juventude e vida adulta, até à velhice. Uma vida preenchida com coisas boas e menos boas, onde convivem a traquinice e as zangas, o amor e a guerra, a alegria e a fome... entre outras dicotomias (na imagem acima podemos ver dois exemplos)..

Nesta obra, à semelhança do que acontece noutros (bons) trabalhos onde o diálogo texto verbal e texto icónico é particularmente bem conseguido, a ilustração desempenha um papel muito enriquecedor no que à ampliação de sentidos diz respeito. Atente-se, por exemplo, na presença do "Anjo da Guarda do Avô" que o acompanha desde a infância até à morte (que também se encontra apenas subentendida, pela presença de um "novo anjo" que passa a proteger o neto). 

A simplicidade do texto e a delicadeza das ilustrações fazem desta obra um trabalho extraordinário, altamente indutor de reflexão (e de conversa) em torno de questões que se afiguram, muitas vezes, difíceis.

Editado em Portugal em fevereiro de 2021, Se o mundo inteiro fosse feito de memórias, de Joseph Coelho e Allison Colpoys, é um dos mais recentes trabalhos literários onde figura a representação dos avós.

Pela voz da neta, a criança narradora, somos convidados a dar um passeio pelas quatro estações do ano, revisitando as memórias que a menina guarda do seu avô em cada estação. 

"se o mundo inteiro fosse a primavera, eu plantaria d novo os aniversários do meu avô, para que ele jamais envelhecesse"

Acompanhámo-la no momento da dor da perda do avô ("algumas histórias são silenciosas") e apoiámo-la na construção do seu caleidoscópio de memórias, pois o avô preparou-lhe um último presente...

"No cadeirão do meu avô está um caderno novo. O papel é de pétalas de primavera, cosido com fio vermelho-rubi. Tem o meu nome na capa. Está novinho e por estrear, e foi feito pelo meu avô."

Como o próprio título indicia, A última paragem, de Matt de la Peña e Christian Robinson, concentra grande parte da sua ação no autocarro que Alex e a Avó apanham à saída da igreja até à Rua do Mercado (a última paragem):

Poderíamos concentrar-nos no destino e na missão que a avó levava, mas isso equivaleria a perdermos a viagem... uma viagem aparentemente simples, mas onde Alex, ajudado pelos sábios gestos da avó, irá descobrir beleza em lugares  inesperados... e aprender a alegria da generosidade.

"Quando saiu do autocarros, Alex olhou em volta. Passeios esburacados e portas partidas, janelas cheias de grafitis e portas fechadas. Deu a mão à avó.

- Porque é que esta zona está sempre tão suja?

Ela sorriu e apontou para o céu.

- Por vezes, quando estás rodeado de lixo, consegues ver melhor as coisas belas, Alex."

O humor que permeia o texto, a profundidade da mensagem e a beleza das ilustrações fazem deste livro um verdadeiro tesouro. Não terá sido, pois, por acaso que foi a obra vencedora da medalha Newbery e livro de honra Caldecot.

Desejamos a todos os nossos leitores, grandes e pequenos, avós e netos, pais e filhos, excelentes leituras em família, e um MUITO FELIZ DIA DOS AVÓS!

P.S. Poderão encontrar outras sugestões sobre este tema AQUI e AQUI.

Este artigo pode também ser lido e relido no blogue da Educação Literária na Família.

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